0Convenção 158 da
OIT.
Dispositivo
que veda a dispensa arbitrária é auto-aplicável
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Jorge
Luiz Souto Maior
juiz
do Trabalho da 15ª Região, professor de Direito do Trabalho da USP
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O
maior problema social da atualidade é, inegavelmente, o desemprego. O
desemprego, em uma sociedade marcadamente capitalista, destrói a auto-estima,
aniquilando o ser humano, e, ao mesmo tempo, é causa de uma série enorme de
problemas que atingem toda a sociedade.
Este
problema, evidentemente, está ligado, de forma mais precisa, às políticas
de macro-economia, considerados os arranjos comerciais e produtivos em
escala mundial.
Todavia,
tem também ligação com a forma de regulação das relações de trabalho. A
facilidade jurídica conferida aos empregadores para dispensarem seus
empregados provoca uma grande rotatividade de mão-de-obra, que tanto
impulsiona o desemprego quanto favorece a insegurança nas relações
trabalhistas, e, ainda, fragiliza a situação do trabalhador, provocando a
precarização das condições de trabalho.
Assim,
se o direito do trabalho não pode gerar bens à satisfação do incremento da
economia, pode, por outro lado, fixar um parâmetro de segurança e dignidade
nas relações de trabalho, que tanto preserve o homem no contexto produtivo
quanto, de certa forma, acaba beneficiando as políticas econômicas.
O
principal papel a ser cumprido pelo direito do trabalho nos tempos
presentes, portanto, é o de evitar o desemprego desmedido e despropositado,
que apenas serve para incrementar a utilização de contratos que
desconsideram os seus fins sociais e geram insegurança na sociedade.
Sob
esta perspectiva, é crucial que se passe a considerar que a dispensa
imotivada de trabalhadores não foi recepcionada pela atual Constituição
Federal, visto que esta conferiu, no inciso I, do seu artigo 7o.,
aos empregados a garantia da "proteção contra dispensa arbitrária ou
sem justa causa, nos termos de lei complementar que preverá indenização
compensatória, dentre outros direitos".
Ora,
da previsão constitucional não se pode entender que a proibição de dispensa
arbitrária ou sem justa causa dependa de lei complementar para ter eficácia
jurídica, pois que o preceito não suscita qualquer dúvida de que a proteção
contra dispensa arbitrária ou sem justa causa trata-se de uma garantia constitucional
dos trabalhadores. Está-se, diante, inegavelmente, de uma norma de eficácia
plena. A complementação necessária a esta norma diz respeito aos efeitos do
descumprimento da garantia constitucional.
Mesmo
que assim não fosse, é evidente que a inércia do legislador
infraconstitucional (já contumaz no descumprimento do comando
constitucional) não pode negar efeitos concretos a um preceito posto na
Constituição para corroborar o princípio fundamental da República da
proteção da dignidade humana (inciso III, do artigo 1o),
especialmente quando a dispensa de empregados se configure como abuso de
direito, o que, facilmente, se vislumbra quando um empregado é dispensado,
sem qualquer motivação, estando ele acometido de problemas de saúde
provenientes de doenças profissionais, ou, simplesmente, quando a dispensa
é utilizada para permitir a contratação de outro trabalhador, para exercer
a mesma função com menor salário, ou vinculado a contratos precários ou a
falsas cooperativas. Ou seja, quanto o pretenso direito potestativo de
resilição contratual se utiliza para simplesmente diminuir a condição
social do trabalhador, ao contrário do que promete todo o aparato
constitucional.
Neste
sentido, vale lembrar das lições de Karl Larenz (1), há muito
manifestadas, analisando as relações jurídicas sob o aspecto da teoria
geral do direito, no sentido de que: a) a vinculação em uma dada relação
jurídica não retira da parte o seu direito subjetivo fundamental, que é o
direito da personalidade, que se insere no contexto da proteção da
dignidade humana, e que pode ser exercido em face de qualquer pessoa; b) o
exercício do direito potestativo, nas relações jurídicas que o prevêem,
encontra, naturalmente, seus limites na noção do abuso de direito e no princípio
da boa fé.
Ora,
logicamente, os direitos de personalidade são garantidos ao empregado na
relação jurídica trabalhista e estes direitos se exercem em face do
empregador, sendo agressões nítidas a esses direitos o trabalho em
condições desumanas e sobretudo a cessação abrupta e imotivada da relação
jurídica, na medida em que perde o meio de sua subsistência, sem sequer
saber o motivo para tanto.
Evidentemente,
como explica o mesmo autor, não há a necessidade de uma regra específica
para que direito subjetivo da personalidade seja exercido.
A
noção de abuso do direito encerra o princípio de que o exercício de um
direito subjetivo é ilícito quando não tiver outro objetivo que o de causar
prejuízo a outrem (2) e mesmo quando exercido de forma imoral
(3).
No
tocante à boa fé, esclarece Larenz que "sempre que exista entre
pessoas determinadas um nexo jurídico, estas estão obrigadas a não fraudar
a confiança natural do outro" (4).
Lembre-se,
ademais, que nos termos do atual Código Civil, art. 187, comete ato ilícito
aquele que, independentemente de culpa, titular de um direito, "ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim
econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
O
novo Código Civil, aliás, estabeleceu uma nítida mitigação do princípio do
"pacta sunt servanda", dando maior relevo à função social dos
contratos que à liberdade de contratar (art. 421) e o artigo 422, do mesmo
Diploma, reafirmou, desta feita, expressamente, que a boa-fé deve estar à
base do contrato na sua formação, na sua execução e na sua extinção, sendo
que quanto a este último aspecto a normatização foi trazida no art. 472.
A
proteção contra a dispensa arbitrária, portanto, encontra no ordenamento
jurídico fundamentos que transcendem até mesmo à própria discussão em torno
da aplicabilidade do art. 7o., I, da CF.
Mas,
mesmo mirando-se a questão neste aspecto, a proteção contra dispensa
arbitrária tem plena vigência.
O
inciso I, do art. 7o, em questão, faz menção, é verdade, à
indenização como forma de concretizar a garantia constitucional e o artigo
10, inciso I, do ADCT, estipulou a indenização de 40% sobre o saldo do
FGTS, para valer enquanto não votada a Lei Complementar, mencionada no
inciso I, do art. 7o. No entanto, há de se reconhecer que a
Constituição ao proibir a dispensa arbitrária acabou por criar uma espécie
qualificada de dispensa.
Desse
modo, a dispensa que não for fundada em justa causa, nos termos do art.
482, da CLT, terá que, necessariamente, ser embasada em algum motivo, sob
pena de ser considerada arbitrária. A indenização prevista no inciso I, do
art. 10, do ADCT, diz respeito, portanto, à dispensa sem justa causa, que não
se considere arbitrária, visto que esta última está proibida, dando margem
não à indenização em questão, mas à restituição das coisas ao estado
anterior, quer dizer, à reintegração do trabalhador ao emprego, ou, não
sendo isto possível ou recomendável, a uma indenização compensatória.
Lembre-se,
a propósito, que o art. 7o., I, mesmo tratando da indenização
não exclui a pertinência da aplicação de "outros direitos", como
forma de tornar eficaz a garantia.
Assim,
aplicados os preceitos constitucionais e legais, sob o âmbito individual,
passam a existir quatro tipos de dispensa: a) a imotivada (que ora se
equipara à dispensa arbitrária); b) a motivada (mas, sem justa causa); c) a
com justa causa (art. 482, da CLT); e d) a discriminatória (prevista na Lei
n. 9.029/95);
A
dispensa imotivada equipara-se à dispensa arbitrária e é proibida
constitucionalmente.
A
dispensa motivada (ou sem justa causa) dá ensejo ao recebimento pelo
empregado de uma indenização equivalente a 40% sobre o FGTS.
A
dispensa com justa causa, devidamente comprovada, nos termos do art. 482,
da CLT, provoca a cessação do vínculo sem direito a indenização.
A
dispensa discriminatória vem expressa quanto à definição e aos seus efeitos
na Lei n. 9029/95, dando ensejo à reintegração ou indenização
compensatória.
A
dispensa que não for por justa causa ou não se embasar em motivo
suficiente, como dito, considerar-se-á arbitrária e, portanto, não está
autorizada ao empregador. Quanto aos efeitos não se pode entender que à
dispensa arbitrária aplica-se a indenização de 40% do FGTS, pois que isto
equivaleria a dizer que dispensa sem justa causa e dispensa arbitrária são
a mesma coisa, e, evidentemente, não são. A dispensa sem justa causa não
tem base em uma causa considerada "justa" pela lei (art. 482,
CLT), mas deve possuir uma causa (um motivo), sob pena de ser considerada
arbitrária.
Quais
seriam, entretanto, os parâmetros jurídicos para se considerar uma dispensa
motivada, afastando a hipótese de dispensa arbitrária?
O
modelo jurídico nacional já traz, há muito, definição neste sentido,
entendendo-se como arbitrária a dispensa que não se funde em motivo
disciplinar, técnico, econômico ou financeiro, conforme previsto no art.
165, da CLT.
A
norma constitucional que proíbe a dispensa arbitrária, portanto, tem
eficácia plena e sua aplicação não pode e não deve ser evitada.
Quanto
aos efeitos, a declaração judicial da dispensa arbitrária dá ensejo à
reintegração ao emprego ou à condenação ao pagamento de uma indenização.
Costuma-se
dizer que o instituto da reintegração teria sido banido de nosso sistema
jurídico (5); já outros, mais amenos, concluíram que a
reintegração somente seria possível nas hipóteses específicas de
estabilidade definitiva (a decenal, em razão de direito adquirido), de
estabilidades provisórias (com previsão legal) e de estabilidades
decorrentes de norma convencional (6). De qualquer modo, na
visão desses autores, a reintegração não seria remédio jurídico para os
casos de dispensa arbitrária.
Todavia,
"data venia", analisando-se o inciso I, do artigo 7o., da CF/88,
não é bem isso o que se verifica. Com efeito, dispõe essa regra constitucional
uma proteção da relação de emprego, em face de dispensa arbitrária,
estabelecendo o pagamento de indenização, "dentre outros
direitos".
Na
verdade, na dispensa arbitrária, adotando-se como parâmetro legal a regra
do artigo 496, da CLT, por aplicação analógica, o juiz do trabalho poderá,
considerando desaconselhável a reintegração, "dado o grau de
incompatibilidade resultante do dissídio", optar pela condenação do
empregador ao pagamento de uma indenização.
Os
artigos 495 e 496 da CLT são normas processuais que refletem a tradição
jurídica brasileira quando se trata de dar efetividade às regras de
estabilidade no emprego. Tais regras foram, sem a menor dúvida,
recepcionadas pela nova ordem constitucional, até porque têm sido hodiernamente
aplicadas nos casos de estabilidade provisória. Desde que se esteja diante
de uma regra jurídica de estabilidade no emprego, a reintegração aparecerá,
inevitavelmente, como solução possível e até preferencial para o conflito
em que se discuta a aplicação dessa norma.
Tanto
isso é verdade que a própria Lei n. 9.029/95, que instituiu a proibição de
dispensa por ato discriminatório, previu a "readmissão" -
leia-se, reintegração - como hipótese possível para o deslinde do conflito.
Além
disso, constitui preceito da teoria geral do direito que a declaração da
nulidade do ato deve reconstituir as coisas no estado em que se encontravam
antes da realização do ato anulado. Ora, se a dispensa do empregado estava
proibida, a declaração de sua nulidade motiva, conseqüentemente, a
determinação da reintegração, como forma de se retomar o "status
quo". A indenização, como meio de compensação do prejuízo causado pelo
ato nulo, aparece apenas alternativamente, na impossibilidade de concretização
da reversão dos fatos.
A
reintegração ao emprego, ademais, constitui a fórmula mais eficaz de
cumprir o direito a sua função social.
Diz-se,
ainda, que a Constituição, ao fixar o direito ao FGTS para todos os
empregados, indistintamente, tornou-se incompatível com sistemas de
garantias gerais de emprego. Entretanto, o FGTS não pode ser visto como um
direito que negue outra garantia maior aos trabalhadores, pois assim
estipula o próprio "caput" do art. 7o., da CF:
"são diretos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social" (grifou-se).
Estabelecido, assim, o princípio da progressividade das garantias ao
trabalhador. Aliás, como já vem se firmando na jurisprudência, o FGTS não é
óbice à aquisição de estabilidade pelo servidor concursado, cujo regime é o
da CLT.
Assim,
a determinação de reintegração do empregado, arbitrariamente dispensado, é
plenamente cabível, até porque se não considerada juridicamente possível
restaria aos juízes apenas a hipótese de indenização, o que nem sempre se
faz em favor da ordem social, já que uma reintegração, muitas vezes, pode
ser menos traumática para as próprias empresas do que o pagamento de uma
indenização.
Quanto
à indenização, nos casos de dispensa considerada arbitrária em que a
reintegração se mostre desaconselhável ou impossível, qual seria esta?
Para
responder a essa indagação é necessário recordar que nenhuma regra legal
precisa existir para que os juízes do trabalho, julgando os conflitos com
poder de discernimento, estabeleçam o valor da indenização devida em cada
caso concreto, como se faz há muito, aliás, na Justiça comum no julgamento
das causas que têm por fundamento o artigo 186 do Código Civil - dispositivo
que prevê a obrigação de indenizar daquele que causar dano a outrem e que é
base jurídica, diga-se de passagem, para as ações de indenização por
acidente do trabalho. Tal dispositivo não estabelece o valor da indenização
e ninguém nunca negou sua eficácia porque um Decreto executivo não o
tivesse regulamentado. A fixação do valor é feita por arbitramento, segundo
critérios de verificação do dano sofrido, da necessidade de quem pede a
reparação e da possibilidade econômica do condenado. E nem se diga que o
artigo 186 do Código Civil não pode ser invocado neste tema porque se trata
de um preceito não inserido na ordem legislativa trabalhista, e que a
Justiça do Trabalho não teria competência para aplicá-lo. Ora, o preceito
mencionado está posto no Código Civil porque é neste Diploma que se
encontram as regras de teoria geral do direito, teoria esta que se aplica,
sem sombra de dúvida, em todos os ramos do direito não-penal, como é o caso
do direito do trabalho.
Evidente
que, adotando os parâmetros da legislação trabalhista, para casos análogos
(indenização do portador de estabilidade definitiva, do portador de
estabilidade provisória e dos casos de dispensa discriminatória), há
parâmetros para o arbitramento desse valor, mas que, de todo modo, não
impedem a avaliação das peculiaridades de cada caso em concreto.
Vale
verificar, ademais, que já vêm se inserindo na realidade das Varas do
Trabalho os pedidos de indenização por dano pessoal, mal denominado
"dano moral", para as hipóteses de dispensa sem justa causa,
tendo à vista os prejuízos experimentados pelo trabalhador em face do
desemprego imotivado.
O
fato é que com o tempo, num exercício de erros e acertos, a jurisprudência,
mais sábia que o legislador no que se refere ao tratamento de casos
concretos, saberá fixar, de forma mais definida, os contornos dessa
indenização, que não se limita, como dito acima, de forma alguma, ao valor
de 40% do FGTS. Lembre-se, a propósito, que não é raro o processo de
integração do sistema jurídico feito pela jurisprudência, com apoio na
doutrina. Vide, como exemplo, o prazo de 30 (trinta) dias para se
caracterizar o abandono de emprego, que não tem previsão legal específica.
O
ordenamento jurídico nacional, portanto, possui todos os instrumentos para
que se coíba com eficácia a dispensa arbitrária, sendo este, aliás, um
imperativo do direito social, constitucionalmente consagrado.
Não
bastasse isto, há de se considerar, ainda, que tem plena vigência no nosso
ordenamento, a Convenção 158, da OIT, que regula, exatamente, as hipóteses
de dispensa arbitrária.
Sobre
a eficácia de tal Convenção no ordenamento interno, vale lembrar que o
direito do trabalho, pós-guerra, seguiu a tendência do direito
previdenciário de expansão e internacionalização, com o objetivo de
diminuir ou minimizar as diferenças sociais e dificultar uma concorrência
econômica entre os países, tendo por base o custo social.
Após
o final da 1a. grande guerra (1919 - Tratado de Versalhes) é criada a OIT
(Organização Internacional do Trabalho) e ao final da 2a. guerra mundial
(1944 - Conferência de Filadélfia) o campo de atuação da OIT é ampliado,
consagrando-se os princípios de que o trabalho não é mercadoria e de que o
progresso econômico, apesar de importante, não é suficiente para assegurar
a justiça social, cabendo aos Estados a imposição de limites ao poder
econômico para fins de preservação da dignidade humana.
A
OIT delibera por ato de sua Assembléia Geral, da qual participam todos os
Estados-membros da OIT, os quais se fazem presentes por seus delegados,
que, por sua vez, são representantes de três segmentos sociais (o governo,
os empregados e os empregadores).
A
normatização emanada da OIT se concretiza em recomendações ou convenções.
As recomendações são orientações aos Estados-membros, constituindo metas a
serem atingidas. As convenções visam a criar normas obrigacionais para os
Estados-membros, que porventura vierem a ratificá-las.
Os
Estados, portanto, são compelidos a vincularem-se à OIT, em razão de uma
política internacional e dela participam, representados pelos seguimentos
diretamente interessados na formação dos instrumentos normativos de
natureza trabalhista que essa instituição produz.
As
convenções, para serem obrigatórias no território nacional, dependem de
ratificação. No Brasil, a ratificação se dá por ato conjunto do chefe do
Poder Executivo e do Congresso Nacional. Com efeito, a competência do
Presidente da República para celebrar tratados fica sujeita a referendo do
Congresso Nacional (art. 84, VIII, CF), sendo de competência exclusiva do
Congresso Nacional "resolver definitivamente sobre tratados, acordos
ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao
patrimônio nacional" (art. 49, I, CF).
As
convenções da OIT, após ratificadas, precisam ser depositadas na RIT
(Repartição Internacional do Trabalho, da OIT) e doze meses após o depósito
da ratificação, a convenção entra em vigor no Estado-membro.
Discute-se
se a matéria objeto do tratado internacional precisa ser regulada por norma
interna, para que tenha vigência no ordenamento interno (teoria dualista),
ou se os termos do tratado ratificado integram-se, automaticamente, ao
direito interno (teoria monista). Segundo Arnaldo Süssekind, "o Brasil
adota a concepção monista. Esse entendimento resulta da circunstância de
não poder o Poder Executivo ratificar o diploma internacional sem que ele
haja sido aprovado, por Decreto Legislativo, pelo Congresso Nacional.
Outrossim, o art. 5o. da Constituição de 1988, que relaciona os
direitos e garantias fundamentais, individuais e coletivas, prescreve no
seu § 2o. que eles não excluem os decorrentes dos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil. Por isso mesmo a própria Carta
Magna possibilita o recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça,
quando a decisão recorrida contrariar tratado ou negar-lhe vigência (ar.
105, n. III)." (7)
No
caso do Brasil, de todo modo, os termos da Convenção 158, ainda que com
imperfeições de tradução, foram tornados públicos pelo Decreto n. 1.855, de
11 de abril de 1996.
Todos
os trâmites de validade, portanto, foram cumpridos com relação à Convenção
158, da OIT: a Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional, mediante
Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992; o depósito da carta
de ratificação foi efetuado na RIT (da OIT), em 05 de janeiro de 1995 e o
Decreto de promulgação n. 1.855, foi publicado em 11 de abril de 1996.
Doze
meses após o depósito da ratificação, a Convenção entra em vigência no
ordenamento interno. Assim, vigente a Convenção 158 da OIT no Brasil desde
06 de janeiro de 1996. E, mesmo que considerada a necessidade de sua
publicação no âmbito interno, esta exigência se cumpriu com a publicação do
Decreto n. 1.855, em 11 de abril de 1996.
Nos
doze meses decorrentes entre o depósito e a sua entrada em vigor, a
Convenção pode ser alvo de denúncia, isto é, ser obstada a sua vigência no
ordenamento interno. Não sendo assim, a Convenção somente pode ser alvo de
denúncia após dez anos do início de sua vigência, e mesmo assim durante os
12 meses subseqüentes a cada decênio.
No
entanto, o Poder Executivo, mediante o Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro
de 1996, publicado em 23 de dezembro de 1996, acatando a interpretação que
se tornou predominante à época no sentido da inaplicabilidade da Convenção
no ordenamento nacional, tornou pública a denúncia da Convenção, realizada
pelo Governo, em carta enviada à OIT, em 20 de novembro de 1996,
explicitando que a Convenção 158 deixaria de ter vigência em nosso
ordenamento, a partir de 20 de novembro de 1997.
O
problema é que a denúncia produziu efeitos internos apenas com a publicação
do Decreto 2.100, o que se deu em 23 de novembro de 1996 e conforme ensina
Cássio de Mesquita Barros Jr. (8), mesmo que considerada a
possibilidade de se efetuar a denúncia, tomando-se como parâmetro a
vigência da Convenção 158 no âmbito internacional, a Convenção só poderia
ter sido denunciada até 22 de novembro de 1996, vez que a Convenção,
adotada pela 68a. da OIT, em 22 de junho de 1982, entrou em
vigor no âmbito internacional em 23 de novembro de 1985, após efetivadas
duas ratificações junto à OIT, conforme previsto no art. 15.2 da Convenção.
Assim, mesmo considerando-se o prazo dos doze meses subseqüentes ao decênio
de vigência no plano internacional, a denúncia somente poderia ser
efetivada pelo Brasil até 22 de novembro de 1996. Mas, como se viu, o
Decreto de denúncia foi publicado em 23 de novembro, e ainda
para produzir efeitos a partir de 20 de novembro do ano seguinte.
Além
disso, não é sequer correta esta interpretação de que o prazo de dez anos
de vigência, para se efetuar a denúncia, conta-se a partir da vigência da
Convenção no âmbito internacional. Conforme ensina Arnaldo Süssekind
(9), o prazo de 10 anos conta-se a partir "de cada
ratificação" e não do prazo de vigência internacional da Convenção
original.
Por
fim, dê-se relevo à posição de Márcio Túlio Viana, que destaca a
inconstitucionalidade da denúncia, na medida em que o ato praticado pelo
chefe do Poder Executivo, de denunciar, mediante Decreto, a Convenção,
extrapolou os limites de sua competência, constitucionalmente fixados.
Argumenta Viana: se é o Congresso quem aprova os tratados internacionais,
"como pode o Presidente, por ato isolado, denunciá-los" (10).
A
respeito, adverte José Eduardo de Resende Chave Júnior (11), que
na maioria dos países do mundo o poder de efetuar denúncia de tratados
internacionais é regulado constitucionalmente, extraindo-se do conjunto das
Cartas o princípio da co-participação Executido-Legislativo para a
realização de tal ato. Há normas neste sentido seja nos sistemas
parlamentares como Itália, França, Áustria e Alemanha, seja nos sistemas
presidencialistas, como os EUA, protótipo do presidencialismo.
Apenas
nas Constituições da Noruega e de Cuba é que se atribui tal poder ao chefe
do Executivo, lembrando, no entanto, o autor em questão, que a Constituição
da Noruega é de 1814, tempo em que as relações internacionais eram ainda
coisa dos reis sobretudo para tratar de casamentos reais, e que em Cuba
impera ainda a concepção centralizadora de poderes no chefe do governo.
Lembre-se,
a propósito, neste sentido, a previsão do art. 84, da Constituição Federal,
que dispõe sobre a competência privativa do Presidente da República,
autorizando-lhe a dispor, mediante decreto, apenas sobre "organização
e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; e extinção de funções
ou cargos públicos, quando vagos" (inciso VI, alíneas "a" e
"b") ou expedir decretos para sancionar, promulgar, fazer
publicar leis e seus regulamentos (inciso IV, do mesmo artigo).
Interessante,
a propósito, reparar que todo o Decreto do Presidente da República,
inicia-se com os termos "O Presidente da República no uso da
atribuição que lhe confere o inciso IV, do art. 84 da Constituição
Federal" ou "no uso da atribuição que lhe confere o inciso VI,
(alínea "a" ou "b") do art. 84 da Constituição
Federal", decreta...
Mas,
no caso do Decreto 2.100/96, apenas se disse de forma um tanto quanto
marota que O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, tornava
público que "deixará de vigorar para o Brasil, a partir de 20 de
novembro de 1997, a
Convenção da OIT nº 158, relativa ao Término da Relação de Trabalho por
Iniciativa do Empregador, adotada em Genebra, em 22 de junho de 1982, visto
haver sido denunciada por Nota do Governo brasileiro à Organização
Internacional do Trabalho, tendo sido a denúncia registrada, por esta
última, a 20 de novembro de 1996".
A
denúncia, portanto, fora ato inconstitucional que, portanto, não pode
surtir o efeito de extrair do ordenamento jurídico a Convenção em exame.
Mesmo
assim, pode-se questionar, mas os termos da Convenção 158 são conformes à
Constituição?
Os
termos da Convenção são, inegavelmente, constitucionais. A Constituição
brasileira, no artigo 7o, I, como visto acima, veda a dispensa arbitrária e
o que faz a Convenção 158 é exatamente isto, demonstrando a nítida
compatibilidade entre os dois sistemas.
Verdade
que a Constituição direciona à Lei Complementar - que possui quorum
qualificado para aprovação - a fixação da proteção da relação de emprego
contra despedida arbitrária ou sem justa causa e o texto da Convenção não
fora aprovado em Lei complementar. Entretanto, como dito acima, a
inexistência da lei complementar não obsta a validade do preceito
constitucional, que, no caso, destina-se a estabelecer o princípio de que
se deve coibir a despedida arbitrária e que a aplicação, afinal, de tal
princípio independe sequer de uma norma positiva que o regule. De todo
modo, o máximo que uma lei complementar poderia fazer seria regular o
preceito constitucional não impedir sua eficácia. O anseio do constituinte
de impedir a dispensa arbitrária foi, sem sombra de dúvida, manifestado e
não seria uma lei complementar ou a falta dela que poderia, simplesmente,
anulá-lo.
Assim,
a Convenção 158, estando de acordo com o preceito constitucional estatuído
no artigo 7o., inciso I, complementa-o, não havendo qualquer validade no
argumento de que a ausência de lei complementar, em razão de seu quorum
qualificado, nega a aplicabilidade da Convenção, até porque a formação de
uma Convenção, que se dá no âmbito internacional, exige muito mais
formalismos que uma lei complementar, sendo fruto de um profundo
amadurecimento internacional quanto às matérias por ela tratadas.
Além
disso, o parágrafo 2o., do art. 5o., da CF/88, estabelece que os tratados
internacionais - gênero do qual constituem espécies as Convenções da OIT -
são regras complementares às garantias individuais e coletivas
estabelecidas na Constituição.
Acrescente-se,
ainda, com especial relevo que a Constituição Federal de 1988 previu, em
seu artigo 4o., que nas relações internacionais, a República Federativa
do Brasil rege-se, dentre outros princípios, pela noção de prevalência dos
direitos humanos (inciso II).
E,
não se pode negar ao direito do trabalho o status de regulação jurídica
pertencente aos direitos humanos. O próprio dado histórico do direito do
trabalho obriga-nos a este reconhecimento. Lembre-se, a propósito, que não
foi à toa que na parte XIII, do Tratado de Versalhes, foram fixados os
principais aspectos que deveriam ser alvo de regulação pelos países
signatários do Trabalho, dentre os quais se situava o Brasil: a) direito de
associação; b) salário digno; c) limitação do trabalho, em oito horas
diárias e 44 semanais; d) descanso semanal remunerado; e) eliminação do
trabalho da criança; f) não- discriminação, apoiando-se no princípio
fundamental de que "o trabalho não deve ser considerado como simples
mercadoria ou artigo de comércio".
Normas
de proteção do trabalho, ademais, podem ser encontradas em praticamente
todos os tratados e declarações internacionais de direitos humanos, a
começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.
O
direito do trabalho, portanto, sob um prisma internacional, é,
inegavelmente, uma face importante, e até mais visível, dos direitos
humanos e mesmo no direito interno isto não passou despercebido: o artigo 1o.,
da CF, consagrou como princípios fundamentais da República, a dignidade da
pessoa humana e o valor social do trabalho; o artigo 3o.,
preconizou como um dos objetivos fundamentais da República, promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (inciso IV); o artigo 170 estabeleceu que a
ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e
conforme os ditames da justiça social. Dê-se especial relevo, ainda, ao
fato de que os artigos 7o. e 8o., que trazem inúmeras
normas de natureza trabalhista, estão inseridos no Título pertinente aos
direitos e garantias fundamentais.
Assim,
não pode haver dúvida de que quando um instrumento internacional,
ratificado pelo Brasil, traz questão pertinente ao direito do trabalho,
inserido, como visto, na órbita dos direitos humanos, que se deva aplicar
tal instrumento, internamente, tomando-se seus dispositivos como normas
constitucionais (§ 2o., do art. 5o., da CF), ou
mesmo, supranacionais (artigo 4o., II, da CF).
O
Supremo Tribunal Federal, no entanto, permanece entendendo que os tratados
ratificados integram-se ao ordenamento como lei infraconstitucional. Mas,
não há enfrentamento expresso da questão a respeito de uma norma de tratado
ratificado cuidar de matéria que seria pertinente, nos termos da
Constituição, à lei complementar, como se dá na discussão que gravita em
torno do presente caso da Convenção 158.
Mesmo
que se adote o posicionamento de que o tratado integra o ordenamento como
norma infraconstitucional, não há obstáculo para que se regule, por meio do
tratado, matéria pertinente à lei complementar, especialmente, quando esta,
após transcorridos longos anos, ainda não foi concluída, e, sobretudo,
quando a lacuna deixada provoca, em concreto, a ineficácia de preceitos
constitucionais consagrados como garantias fundamentais.
Além
disso, importa verificar, com bastante relevo, que o próprio Supremo Tribunal
Federal adota a posição doutrinária, encabeçada por Celso Ribeiro Bastos
(12), no sentido de não haver ordem hierárquica entre lei
complementar e lei ordinária. Neste sentido: RE 146.733; RE 84.994-SP (RTJ
87/204); e ADin 1-DF (RTJ 156/721) (13).
Ademais,
o problema do desrespeito ao direito internacional do trabalho é agravado
quando se lembra que, em 17 de novembro de 1998, foi assinado o Protocolo
de San Salvador (Protocolo Adicional à Convenção Interamericana), cuidando
dos direitos humanos sob a ótica dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais. Em tal
Protocolo, aliás, foram fixadas, expressamente, no art. 7o.,
as bases de um direito do trabalho em condições justas e eqüitativas, quais
sejam:
"a) Remuneração que
assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores condições de subsistência
digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário eqüitativo e
igual por trabalho igual, sem nenhuma distinção;
b) O direito de todo
trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar-se à atividade que melhor
atenda a suas expectativas e a trocar de emprego de acordo com a respectiva
regulamentação nacional;
c) O direito do
trabalhador à promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levadas em
conta suas qualificações, competência, probidade e tempo de serviço;
d) Estabilidade dos
trabalhadores em seus empregos, de acordo com as características das
indústrias e profissões e com as causas de justa separação. Nos casos de
demissão injustificada, o trabalhador terá direito a uma indenização ou à
readmissão no emprego ou a quaisquer outras prestações previstas pela
legislação nacional (grifou-se);
e) Segurança e higiene
no trabalho;
f) Proibição de trabalho
noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos
e, em geral. de todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança
ou moral. Quando se tratar de menores de 16 anos, a jornada de trabalho
deverá subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum
caso, poderá constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para
beneficiar-se da instrução recebida;
g) Limitação razoável
das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de
menor duração quando se tratar de trabalhos perigosos, insalubres ou
noturnos;
h) Repouso: gozo do
tempo livre, férias remuneradas, bem como remuneração nos feriados
nacionais."
Aliás,
a eficácia interna das normas internacionais de direitos humanos pode ser
vislumbrada até mesmo no que diz respeito aos princípios que se extraiam do
conjunto desses instrumentos, mesmo não ratificados, como aqueles
constantes da Constituição e Convenções da OIT. Como expresso na Declaração
da OIT relativa aos princípios e direitos fundamentais (1998), os países
membros, mesmo quando não tenham ratificado as convenções tidas como
fundamentais, estão obrigados a respeitar e a realizar, de boa fé e em
conformidade com a Constituição, os princípios concernentes aos direitos
fundamentais.
Embora
a Convenção 158, da OIT, não seja uma das convenções tidas como
fundamentais, o fato é que constam da Constituição da OIT (mais
precisamente, na Declaração da Filadélfia, de 1944) os princípios de que o
"o trabalho não é uma mercadoria" (item I, "a") e de
que "uma paz durável só pode ser estabelecida sobre a base da justiça
social" (item II), sendo "obrigação solene" da OIT estimular
nos diversos países do mundo programas próprios a realizar "a
plenitude do emprego e a elevação dos níveis de vida" (item III,
"a").
Ora,
a proteção contra o desemprego, por meio de um sistema jurídico que ao
menos coíba a arbitrariedade na dispensa de empregado, é o modo mínimo de
se atender aos princípios em questão.
Cada
um, pensando na estabilidade no emprego que detém ou almeja, que conteste
essa afirmação!
Assim,
não só não há óbice constitucional para a aplicação da Convenção 158, da
OIT, no Brasil, como o respeito às suas normas e aos princípios que encerra
é de se exigir.
Muitos
diziam, ainda, que as normas da Convenção 158, da OIT, não eram
auto-aplicáveis, pois que necessitavam de outras normas regulamentadoras.
Cabe
verificar, sob este aspecto, que apenas a "Parte I" da Convenção
158 (arts. 1o. a 3o.) é conceitual, dispondo sobre "métodos de
aplicação, área de aplicação e definições". A partir da "Parte
II" a Convenção é normativa. Embora se diga que, geralmente, as
normas das Convenções da OIT sejam bastante elásticas, verdadeiras regras
de princípios, para poderem se amoldar aos ordenamentos peculiares dos
diversos Estados-membros e para, assim, poderem obter quorum para
aprovação, o fato é que do teor das normas da Convenção 158, da OIT,
adotada a técnica mais rudimentar da interpretação, ou seja, a gramatical,
que embora não seja auto-suficiente, dela não se pode fugir, não se extrai
qualquer dúvida de conteúdo, no sentido de que ao empregador não é dado
dispensar o empregado senão quando houver uma "causa justificada relacionada
com sua capacidade ou seu comportamento", nos casos de dispensa
individual, ou "baseada nas necessidades de funcionamento da empresa,
estabelecimento ou serviço" ("motivos econômicos, tecnológicos,
estruturais ou análogos"), nos casos de dispensa coletiva, cabendo ao
Tribunal competente, para julgamento de recurso dos empregados dispensados,
examinar "as causas alegadas para justificar o término da
relação".
No
caso da dispensa individual, a motivação não é propriamente a de quebra da
boa fé do vínculo, como nos casos de justa causa (art. 482, da CLT), pois
basta que o empregado não demonstre aptidão para o serviço para o qual fora
contratado ou apresente comportamento incompatível com o de uma pessoa
integrante de um grupo produtivo, situações que, por si sós, não seriam
aptas a justificar uma dispensa por justa causa.
Nos
termos da Convenção 158,
a dispensa arbitrária é proibida, gerando duas
situações possíveis, a critério do órgão competente para julgamento dos
motivos da dispensa (14): a reintegração ou a condenação ao
pagamento de uma indenização.
As
normas expressas da Convenção 158 oferecem parâmetro para delimitar, com
precisão, em que se constitui uma dispensa arbitrária e quais os seus
efeitos jurídicos, em perfeita consonância com o que já prevê o ordenamento
jurídico interno, como demonstrado acima.
Assim,
mesmo que os preceitos da Convenção 158 precisassem de regulamentação, já
se encontrariam na legislação nacional os parâmetros dessa "regulamentação".
A
Convenção 158, da OIT, não traz às relações de trabalho uma armadura para
retirar do empregador o controle de sua atividade empresarial, apenas vem,
de forma plenamente compatível com nosso ordenamento jurídico, impedir
aquilo que a moral – que muitas vezes coincide com o direito, lembre-se de
Karl Larenz ao cuidar da invalidade do ato jurídico pela noção de
imoralidade – já reclamava: impedir que um empregador dispense seu
empregado por represálias ou simplesmente para contratar outro com salário
menor. No caso de real necessidade para a dispensa, esta, em alguma das
hipóteses mencionadas, está assegurada.
No
que tange às dispensas coletivas (de mais de um empregado, ao mesmo tempo
ou em curto espaço de tempo), exige-se, igualmente, a urgência da aplicação
dos parâmetros fixados na Convenção 158.
Nos
termos da Convenção 158, para a dispensa coletiva de empregados necessária
a fundamentação em "necessidade de funcionamento da empresa,
estabelecimento ou serviço", "por motivos econômicos,
tecnológicos, estruturais ou análogos". Quanto ao modo de apuração ou
análise dos motivos alegados não há, igualmente, problemas de eficácia,
valendo como parâmetro legal a regra e as interpretações doutrinárias e
jurisprudenciais já dadas ao artigo 165 da CLT.
Verdade
que a Convenção 158 prevê, para a dispensa coletiva, uma discussão prévia
dos motivos com "os representantes dos trabalhadores
interessados", o que na legislação brasileira não encontra similar,
muito embora não se possa negar aos sindicatos essa condição. De qualquer
modo, não se deve exacerbar a importância desse preceito. Trata-se de uma
norma procedimental que em nada afeta o conceito material estabelecido,
qual seja, o de que as dispensas coletivas devem ter fundamentos
econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, para que possam,
concretamente, ser avaliados pelo Poder Judiciário.
As
dispensas coletivas, ademais, não possuem amparo no ordenamento jurídico
também por outros motivos, talvez ainda mais relevantes.
O
Estado brasileiro é um Estado democrático de direito e seu objetivo
primordial é promover a justiça social e o bem-estar de todos. A dispensa
coletiva de trabalhadores, sem qualquer motivação ou comprovação de boa fé
dos motivos alegados, muitas vezes baseada em balanços fraudulentos, não
correspondendo, pois, a uma necessidade econômica e não se efetivando com
uma necessária ampla discussão prévia entre os seus interlocutores diretos,
da qual participem as instituições públicas locais e nacionais,
demonstra-se, flagrantemente, como simples e torpe pressão de natureza
econômica, uma represália do econômico sobre o social.
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