25 de out. de 2010

PNHD III - por Ronald Barata

PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS

O Decreto nº 7.037 DE 21/12/2009, instituindo o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos, não tem dispositivos de aplicação imediata. É a continuação do PNDH I de 1996, que cuidou dos direitos civis e políticos e do PNDH II, de 2002, que incorporou direitos econômicos, sociais, culturais e de meio ambiente.

Na Constituição de 1988 foram inseridos dispositivos sobre direitos humanos, seguindo-se vários preceitos infraconstitucionais. Para bom entendimento sobre a natureza do PNDH III e sua abrangência, devemos conhecer alguns conceitos.
  
FUNDAMENTOS
A II Conferência Internacional de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, estabelece três princípios fundamentais para a plenitude dos Direitos Humanos, hoje consagrados internacionalmente: universalidade, indivisibilidade e interdependência dos diversos direitos essenciais. Sobre a indivisibilidade, estabelece quatro aspectos relevantes: os direitos civis e políticos, os direitos econômicos, os sociais e os culturais. Ressalta também o direito ao desenvolvimento ambiental. Portanto, para a  plenitude dos direitos humanos, o Estado deve incorporar e promover políticas públicas como saúde, educação, desenvolvimento social, meio ambiente, segurança pública etc.

Em outubro de 2009, o Conselho Federal da OAB realizou a IV Conferência Internacional de Direitos Humanos, em Belém do Pará. Aprofundou as resoluções da III Conferência Internacional de 2006, estabelecendo como direitos fundamentais a liberdade, justiça, energia, soberania, reforma agrária, participação dos movimentos sociais, nova ordem mundial, educação, cultura, recursos naturais, questões femininas, sistema prisional e trabalho.

A abrangência de direitos humanos também é consagrada pela ONU, pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), em tratados e convenções internacionais e na nossa Constituição.

Mas deve-se verificar o que é indispensável no Decreto e o que pode representar exageros ou cortina de fumaça.
 
O DECRETO
A estrutura do PNDH-3 compõe-se de seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes, 82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas, que refletem as resoluções aprovadas na XI Conferência Nacional de Direitos Humanos, de dez/2008, para serem a base para o Programa Nacional de Direitos Humanos. 


Os eixos temáticos são:
I) Interação Democrática entre Estado e sociedade;
II) Desenvolvimento e Direitos Humanos.
III) Universalizar direitos em um contexto de desigualdades.
IV) Segurança Pública, acesso à Justiça e combate à violência;
V) Educação e Cultura em Direitos Humanos;
VI) Direito à memória e à verdade.

ANTECEDENTES
O XII – Encontro Nacional do PT e o Congresso Nacional do PT realizado em 2001, em Pernambuco, aprovaram documento sobre Direitos Humanos, denominado “UM NOVO BBRASIL É POSSÍVEL”. Foi coordenado pelo ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, que havia sido incorporado ao comando da campanha de Lula e seria o coordenador do programa de governo do candidato.

Pouco depois, em 18/1/2002, em S.Paulo, o prefeito foi seqüestrado quando estava em um carro Mitsubishi Pajero blindado, dirigido por Sergio Gomes da Silva, que declarou que, misteriosamente, a trava e o câmbio do carro não funcionaram. Três dias após, Celso Daniel foi assassinado. PARTICULARIDADE: sete testemunhas do caso foram assassinadas, inclusive o Dr. Calos Delmonte Printes, médico legista que constatou marcas de tortura no cadáver. A coordenação do programa de governo de Lula, passou para Antonio Palocci. O programa elaborado pelo petista assassinado (Um Novo Brasil é Possível) foi trocado pela “Carta aos Brasileiros”, compromisso de não mexer na política econômica de FHC.

Temas importantíssimos, que estavam abafados, surgem agora, provocando debates. É positivo. É a oportunidade para aprofundar as discussões e voltarmos a exigir a abertura dos arquivos da ditadura, a reforma agrária, taxação das grandes fortunas, fim da oligopolização nos meios de comunicação, universalização da assistência à saúde, meio ambiente, igualdade racial, direitos da mulher, segurança alimentar,  educação, cultura, universalização da Justiça. A violência policial e a infância abandonada não podem ser esquecidas. Deve-se aproveitar a campanha eleitoral, apesar de os três candidatos presidenciais privilegiados pelas mídias representem partidos dúbios, mas há alguns candidatos de esquerda que podem levantar o tema.

Os que politicamente permanecem na esquerda, não podem deixar morrer a proposta de criação da Comissão da Verdade, mesmo com as limitações inseridas. Vamos relembrar episódios importantes e exigir punição para os responsáveis por crimes cometidos em aparelhos oficiais ou clandestinos, autorizados pelas autoridades máximas da ditadura, implantados com requintes de organização por instrutores da CIA, e praticados pelos crápulas que ganhavam promoções e posições de comando. A tortura era uma política de Estado. A cadeia de comando da repressão política, usando todos os instrumentos vis, começava no presidente da República e ministros civis e militares, passava pelos comandantes de tropas e chegava aos executores em instalações militares e civis. O próprio general Geisel, depondo para o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, declarou que foi a cúpula militar que mandou assassinar presos políticos.

NÃO DEIXAR MORRER
Há muitos casos que as novas gerações desconhecem e que a Comissão deverá desarquivar, como o atentado na sede da OAB que matou D. Lida Monteiro da Silva, o ocorrido no gabinete do vereador Antonio Carlos, na Tribuna Operária, em bancas de jornais, agencias bancárias, o seqüestro de Dalmo Dallari, o do bispo Don Adriano Hipólito e os infindáveis casos de tortura, empalamentos, desaparecimentos, seqüestros de bebês etc. Muitos militantes da esquerda foram condenados sem julgamento; ou com julgamentos sumários, sem direito de defesa. Portanto, os oposicionistas já foram julgados. Quem não foi morto, carrega para sempre as marcas da tortura.

Quanto aos torturadores, não sabemos nem o nome da maioria. Estão impunes e protegidos. É preciso que a sociedade os conheça e os julgue, assim como divulgar os documentos que os comandantes militares e o ministro da Defesa querem manter secretos. O Tribunal de Nurenberg julgou os assassinos, não os que resistiram.

Argentina, Chile e Uruguai assim fizeram e não houve nenhum abalo. Na Argentina, a Justiça anulou as leis do “Ponto Final” e da “Obediência Devida”. A Corte Interamericana de Direitos Humanos declarou ilegais a leis de anistia no Uruguai, Chile e Peru. Nesses países, como em todo o mundo civilizado, é obrigatório que assassinos e torturadores sejam julgados pelo Judiciário, com os ritos da democracia. Não se quer fazer como a ditadura fez, mas não se pode deixar de punir os assassinos e torturadores.

O Brasil está sendo julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, devido a não permitir a abertura dos arquivos da ditadura, por representação de 25 famílias que querem a abertura desses arquivos, para localizarem os cadáveres de seus parentes desaparecidos.

A ação de Descumprimento de Preceito  Fundamental impetrada pela OAB junto ao STF, contestando a aplicação a Lei de Anistia aos torturadores, infelizmente não obteve sucesso. A decisão protege torturadores. É uma pena! Saudade de grandes brasileiros que compuseram o alto tribunal do país e não se dobravam aos militares, como Hermes Lima, Ribeiro da Costa, Evandro Lins e Silva, Victor Nunes Leal, Adauto Lúcio Cardoso, etc.

É lamentável que os militares continuem a tutelar governos civis.

AGIR, ESCLARECER, MOBILIZAR
Mas sem esquecer que o Decreto é confuso, atabalhoado, exageradamente abrangente, propiciando mais polêmicas num tema que, por natureza, já é polêmico até mesmo no governo que abriga partidos ditos de esquerda e de direita. Portanto, deve-se selecionar alguns temas, entre eles, necessariamente, a instalação da Comissão da Verdade.

Lula já havia reduzido o papel da “Comissão da Verdade e da Justiça”, quando retirou o termo “e da Justiça”, tornando difusas as monstruosidades praticadas, podendo evitar a responsabilização. Ante ameaças dos comandantes militares e do Ministro da Defesa, voltou a ceder, vergonhosamente. Editou o Decreto nº 7.177, alterando o anterior, para atender aos militares, à Igreja Católica, aos ruralistas e a órgãos de comunicação. Mas manteve outros dispositivos polêmicos, como a defesa da união civil homossexual, a adoção de crianças por casais homo-afetivos.

Em seu desfecho, o governo quer ganhar uma aura de esquerda para compensar a ortodoxia da política econômica. Mas devemos aproveitar para exigir a adoção das propostas. Medidas que deveriam ter sido adotadas no início do governo, como o fim da predominância de três ou quatro grupos que controlam a mídia, justiça tributária, retomada do controle dos serviços de exploração de eletricidade, mineração e telecomunicações, reforma política, foram esquecidas. Só agora, no oitavo ano do governo, são levantadas. Pode até ser uma mistificação, mas cabe à esquerda não permitir que o tema caia no esquecimento.

A sociedade tem direito de conhecer os que praticaram as iniqüidades o que, certamente, levará a que esses fatos não voltem a ocorrer. Fortalecerá a democracia, que não pode aceitar que governos sejam enquadrados por militares e forçará as Forças Armadas a respeitarem as normas institucionais e os governos legitimamente eleitos.

Em julho de 2010
RONALD SANTOS BARATA


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