3 de nov. de 2013

Prezado.amigo,,.
            Recebi tua mensagem, repassada, texto do médico Enzo Ferri do CFM. Os erros de linguagem no texto do membro do CFM são desculpáveis, pois, afinal, é um médico e não um filólogo. Mas os conceitos emitidos são bastante polêmicos e nota-se um ranço corporativista com tintas ideológicas e um posicionamento político.
            Parece-me oportuno, enviar-te um resposta que dei a um amigo comum, o Joaquim, sobre esse tema. Se tiveres tempo, gostaria que tu o leias. É o seguinte:
Prezado.Joaquim,
            Recebi tua mensagem, repassada, sob o título Análise do relacionamento juríco-trabalhista dos médicos cubanos”.
Tu sabes da minha posição a respeito do PT e dos governos desse partido. Mas vendo que a mensagem foi repassada para várias pessoas, resolvi enviar alguns comentários, quiçá importantes. Deixo claro que não há a mínima intenção de defender o governo ou o PT.
Talvez eu tenha sido o primeiro a denunciar, em 1994, terem se transformado, a CUT e o PT, em organizações criminosas. Naquela ocasião, eu, por ter saído da direção da CUT denunciando o que se passava na Central e no Partido (ao qual nunca fui filiado), sofri sérias ameaças, que, infelizmente, vitimaram dois companheiros que defendiam a mesma posição minha. A CUT é hoje filiada à AFL-CIO - American Federation of Labour-Congress of Industrial Organization, central sindical norte-americana, braço sindical da CIA que criou, em 1963, em São Paulo, o IADESIL-Instittuto Americano de Desenvolvimento do Sindicalismo Livre,.para ajudar a derrubar o governo Jango. Esse Instituto funciona até hoje, proporcionando cursos para “sindicalistas livres”; pelegos de esquerda e de direita.
Apesar de o redator negar, trata-se de documento eminentemente ideológico e sectário, num tema humanitário. É maniqueísta; desconhece que entre o preto e o branco existe o cinza.  Como peça jurídica, o texto é ralo.  Basta ver o parecer do Ministério Público do Trabalho, que declara não encontrar nenhuma irregularidade nas relações com os cubanos. Ele desconhece o que é e como funcional uma sociedade socialista.
Deveria saber que não há, nem pode haver, qualquer similaridade entre a Constituição de um país de economia capitalista e outro de economia socialista. É como as águas do Negro e do Solimões, que correm lado a lado, sem se misturarem. Os médicos cubanos são TODOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, EMPREGADOS DO ESTADO CUBANO. Regidos pelas normas jurídico-sociais daquele país, que ora estão a serviço.
Prezado Joaquim
Quero afirmar minha convicção de que NÃO É JUSTO DEIXAR SERES HUMANOS INTEIRAMENTE ABANDONADOS, AO DEUS DARÁ; SEM NENHUMA ASSISTÊNCIA MÉDICA. Querer impedir que um profissional de saúde possa evitar certos problemas, muitas vezes mortes evitáveis, devido a questões ideológicas, a mim soa profundamente desumano. E, quanto à falta de estrutura nos rincões, parece-me também não ser argumento aceitável. Exemplos: um aleijão pode ser evitado se uma eventual fratura for corretamente entalada. Pelos sintomas, mesmo sem laboratório, identificar se é impaludismo, ou hepatite, ou meningite e providenciar remoção etc. em vez de ficar aos cuidados de um curandeiro ou mãe-de-santo, tratando “espinhela caída” ou “nó nas tripas”.
Se somente o médico não é solução, sem ele nada mais se pode criar.
Quanto à falta de estrutura, que falar dos nossos hospitais, públicos e muitos particulares, mesmo nas grandes cidades?
Eu passei por lugares, no Norte e no Nordeste do país, em que vi crianças e adultos sofrendo devido a uma diarreia, ou dor nas costas, ou gripe, desidratação, picada de cobra etc., sem nenhuma assistência médica. Um termômetro e um remedinho comum, algumas vezes é o suficiente. Vi pessoas padecendo de males e tendo que esperar vários dias por uma consulta médica, em cidade para onde foram transportadas, depois de percorrerem mais de cem quilômetros, em condições precárias.
É, portanto, uma questão eminentemente humana. Não se deve ideologizá-la. A reação de algumas mídias e de alguns organismos corporativistas dos médicos, parece ser, precipuamente, devido à presença de cubanos. É, principalmente, contra Cuba, por ser socialista. Por razões ideológicas, querem prejudicar milhões de seres humanos.
Ao defender uma medida que entendo correta, não isento o PT pelos seus erros. Os crimes cometidos por esse partido e sua Central Sindical, não serão esquecidos ou apagados em razão de uma ação correta. Até o PSDB praticou medida elogiável: a quebra de patentes de remédios e a instituição do genérico. Mas as privatizações, de um e de outro, a entrega de bacias sedimentares, por um e por outro (vide leilão de Libra), o indevido pagamento de centenas de bilhões de reais referentes a juros de uma dívida fajuta, manipulada, que deveria ser auditada, mas nenhum dos dois o fez. A compra de parlamentares para aprovação da reeleição de FHC equipara-se ao mensalão do PT. Os dois, e mais seus aliados, figurarão nos anais do lixo da História. Não é por isso que deixarei de defender uma medida correta, combatida por preconceitos.
Quando, no tempo da Guerra Fria, Cuba exportava revolução, isto é, queria promover revoluções em outros países, eu achava totalmente errado, inconveniente e irrealizável; enfim, uma estupidez. Depois, passou a fazer propaganda através do esporte. Investiam em atletas olímpicos que hoje são contratados, mundo afora, inclusive no Brasil, como técnicos, nos mesmos moldes dos médicos.
Hoje, Cuba pratica programas humanitários que têm beneficiado a inúmeras comunidades em todo o mundo. Presta assistência em 58 países (inclusive os desenvolvidos Inglaterra e Canadá) e tem obtido resultados positivos. No Haiti, onde, portando apenas um termômetro e alguns medicamentos elementares, conseguiram reduzir, notavelmente, a mortalidade infantil e evitaram mortes de milhares de vítimas das tragédias da natureza. Se os EUA e o Reino Unido, eixo do capitalismo, fizessem o mesmo, seria muito bom; mas só se movem em busca de lucro. Aliás, Cuba tem, relativamente, três vezes mais médicos (bem formados), à disposição da população, do que os EUA. Estatística da ONU.
O Brasil já utilizou os serviços médicos de cubanos, nos mesmos moldes de hoje, em Goiás, Roraima, Pernambuco, Acre, Tocantins... E não houve a reação que se provoca hoje.
O texto que enviaste diz, textualmente: “...estes são os médicos escravos cubanos que o Brasil vai traficar, cometendo toda a sorte de crimes hediondos contra os direitos humanos, que só republiquetas totalitárias, a exemplo da Venezuela, ousaram cometer.” (grifos meus)
Falar-se em escravidão de cidadãos formalmente empregados em um Estado socialista, recebendo salário e toda a proteção para si e familiares ( moradia, saúde, educação, serviços públicos, alimentos essenciais, remédios), e onde os cidadãos não precisam ser filiados a partido político para candidatarem-se ao Parlamento, soa totalmente impróprio. E outros absurdos: “traficar, crimes hediondos etc.”. É muito despropósito, incompreensível forçação de barra. Tudo está sendo feito à luz do dia. Também não se vislumbra qualquer afronta à Constituição brasileira ou às leis em vigor, conforme atesta o Ministério Público do Trabalho. E qualquer cidadão ou instituição eventualmente insatisfeito pode recorrer ao Judiciário.
Aqui no Brasil, funcionários públicos são obrigados a viajar a outros estados, inclusive a lugares ermos, às vezes prestando serviços até para outras repartições, e nada recebem além do salário, a não ser uma diária para pagar hotel e refeição. Eu já passei por isso e não era escravo.
Admito que a questão remuneratória decorrente da intermediação de um organismo internacional, a Organização Pan Americana de Saúde-OPAS, e a da garantia de repasse não inferior ao salário mínimo, são Importantes e o governo deve dar uma resposta adequada, que não seja a atabalhoada declaração da Advocacia Geral da União.
Mas a rotulada “terceirização”, devido a Cuba reter parte da remuneração dos médicos, é outra impropriedade; é apenas chiste de gente espritada, enraivecida, mal humorada, que desconhece que a Guerra Fria acabou. Desconhece que, hoje, os conflitos têm origem no eixo de comando capitalista EUA-Reino Unido (vide Iraque, Afeganistão, Síria etc.). A Venezuela, onde há vinte mil médicos cubanos, remunera a parte do Estado cubano em petróleo. (Sabe-se que Cuba tem território carente de recursos minerais).
É muito diferente da prática capitalista, hoje no Brasil instalada, de “bancos de talentos” de entidades privadas, com finalidade de lucro. Ou das terceirizações, ou exploração de estagiários, ou os diversos tipos de bagrinhos.
Mesmo sob embargo econômico, que já dura meio século, e outras dificuldades, Cuba precisa continuar a prestar ensino gratuito, formar médicos para atender seu povo. Arrecada dos trabalhadores, mas devolve na prestação de bons serviços. Eu fiz consulta médica em um hospital em Havana  Conheci.
Há, também, contundentes reclamações por serem estrangeiros Hostilizaram os médicos cubanos até com vaias e desaforos gritados ao pé do ouvido. Médicos que vêm atender a 701 comunidades desassistidas, sem concorrer com os médicos nacionais que foram consultados e se recusaram a ir para esses lugares. E com regras estabelecidas documentadamente.
 Ora, sobre esse prisma, o que pensar dos médicos que integram a organização humanitária “Médicos Sem Fronteira”? Estrangeiros atendendo em vários países. O que pensam alguns médicos e suas organizações classistas?
O que pensam sobre os médicos do Emergency, organização não governamental e sem fins lucrativos, criada por um médico italiano indicado para o Nobel, e que atende em regiões onde há guerras, sem discriminar a que lado pertencem os feridos e necessitados? Seus médicos, estrangeiros, são recebidos agradecidamente pelas populações onde atuam, como aqui, em 1998, foram recebidos médicos cubanos nos estados que acima citei.
Finalmente, observe-se o segundo parágrafo do texto do confuso e apaixonado escriba. É ele próprio que dIz:  “...que exibem sorrisos simpáticos e uma grande alegria em servir o próximo, como se estivessem em uma missão humanitária...“   Que coisa estranha... Escravos alegres, exibindo sorrisos simpáticos, saudáveis e derramando bom humor. Escravidão sem tristezas, sem lamúrias, sem mau humor...
                        Em 31/8/2013 – RONALD SANTOS BARATA
PS - Essas minhas observações de apoio à atuação dos médicos estrangeiros, cubanos e outros, não significa que eu desconheça o relaxamento do governo PT-PMDB na área da saúde. É o próprio Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde do Ministério da Saúde que indica que em 2010 havia cerca de 36o mil leitos hospitalares. Em 2013, foram reduzidos para menos de 348 mil leitos. E há outros dados que atestam o desprezo e a incompetência do PT na gestão da área de saúde. O governo não aceita nem o projeto de Lei de um ex-senador do PT, Tião Viana, aprovado no Senado, que estabelece mínimo de 10% da receita bruta para a saúde. A Argentina aplica na saúde 20% do seu PIB. O Chile aplica 23%. O Brasil destina apenas 8,7% do PIB, o menor percentual de todos os países da América Latina.
Entretanto, ainda que o governo seja movido por intenções eleitoreiras, acho que devemos apoiar a medida que vai beneficiar muitos brasileiros. E usar todos os instrumentos legítimos, para desmascarar esse partido e seus penduricalhos.
                        Receba minhas respeitosas saudações,
                                   RONALD BARATA


Nenhum comentário:

Postar um comentário